sábado, 28 de novembro de 2009

Medo

"Meu maior medo não é morrer sozinho, ainda que morrer sozinho, sem visitas em um hospital ou sem pássaros num asilo, é tão triste quanto uma pilha de discos de vinil para vender. Meu maior medo é viver sozinho e não me acompanhar. Meu maior medo é ter um dia de aniversário por ano para lembrar de que não nasci, de que estou "apenas olhando". Meu maior medo é perder a curiosidade da solidão. Ficar com alguém para disfarçar a espera, esquecendo do egoísmo de prender esse alguém de uma nova chance. Meu maior medo é ser reconhecido por aquilo que poderia ser. Meu maior medo é dizer sim para desistir depois, dizer não para querer depois. Meu maior medo é não ser avisado pelo medo. Meu maior medo é fingir que estou bem e me contentar em afirmar "o problema não é você, sou eu" em cada fim de relacionamento. E não acreditar nisso, seguir sendo o problema dos outros para me livrar de meu problema. Meu maior medo é viver sozinho e não ter fé para receber um mundo diferente e não ter paz para se despedir. Meu maior medo é almoçar sozinho, jantar sozinho e me esforçar em me manter ocupado para não provocar compaixão dos garçons. Meu maior medo é ajudar as pessoas porque não sei me ajudar. Meu maior medo é desperdiçar espaço em uma cama de casal, sem acordar durante a chuva mais revolta, sem adormecer diante da chuva mais branda. Meu maior medo é a necessidade de ligar a tevê enquanto tomo banho. Meu maior medo é conversar com o rádio em engarrafamento. Meu maior medo é enfrentar um final de semana sozinho depois de ouvir os programas de meus colegas de trabalho. Meu maior medo é a segunda-feira e me calar para não parecer estranho e anti-social. Meu maior medo é escavar a noite para encontrar um par e voltar mais solteiro do que antes. Meu maior medo é não conseguir acabar uma cerveja sozinho. Meu maior medo é a indecisão ao escolher um presente para mim. Meu maior medo é a expectativa de dar certo na família, que não me deixa ao menos dar errado. Meu maior medo é escutar uma música, entender a letra e faltar uma companhia para concordar comigo. Meu maior medo é que a metade do rosto que apanho com a mão seja convencida a partir com a metade do rosto que não alcanço. Meu maior medo é escrever para não pensar."


(Fabrício Carpinejar - Pais e filhos, maridos e esposas II )

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